Comunicar com pessoas com demência: um desafio?

Catarina de Oliveira, Psicomotricista em ERPI (Estrutura Residencial para Pessoas Idosas) e ao domicílio

A comunicação é uma das formas de nos relacionarmos com os outros. Na demência há alterações em vários domínios, com consequências para a autonomia, funcionalidade, socialização e qualidade de vida das pessoas idosas. Como podemos comunicar melhor com pessoas com demência?

Um dos maiores desafios que tenho diariamente é solidificar a ideia junto das pessoas com quem trabalho ou com quem me cruzo de que os idosos não são crianças! Por muito que a sua autonomia, capacidade cognitiva e de raciocínio e a sua funcionalidade estejam diminuídas e necessitem de cuidados de terceiros, os idosos já não são mais crianças, assim como nós, adultos, também já não seremos.
Antes de perceber como podemos melhorar a forma como comunicamos com as pessoas idosas, importa voltar a recordar quais as alterações que existem derivadas de uma demência.

Que alterações surgem na demência?
De um modo geral, são visíveis alterações ao nível da memória, atenção, capacidade de resolução de problemas, lentificação motora e do pensamento, vocabulário mais reduzido, dificuldade em acompanhar e compreender conversas, seguir instruções complexas e expressar opiniões e ideias. Além disso, podem ainda surgir dificuldades na leitura e na escrita ou dificuldade em adequar o comportamento e postura numa conversa (exemplo: interromper alguém ou não responder por não perceber que é consigo a conversa).

Que estratégias podem ser usadas para comunicar melhor com uma pessoa com demência?
Primeiramente tratar as pessoas idosas com respeito pela sua individualidade e dignidade e com afeto. Depois é importante despistar eventuais problemas quer de audição quer de visão e, se existir, utilizar produtos de apoio adequados a essas dificuldades (aparelhos auditivos e/ou óculos).
Depois disso: inicie a conversa, apresentando-se e mantendo o olhar para a pessoa, chamando pelo seu nome; averiguar possíveis ruídos no ambiente ou outros estímulos distrateis e procurar minimizá-los; utilizar um tom de voz calmo e sereno; manter uma distância que permita a sua comunicação ao mesmo tempo que respeite a individualidade e espaço interpessoal da pessoa idosa; utilizar um discurso simples e curto, pronunciando bem e pausadamente as palavras; formular questões, cujas respostas sejam simples ou no máximo com duas opções de resposta (exemplo: prefira “Sr. José, prefere arroz ou massa?” ao invés de “Sr. José, o que quer de acompanhamento?”); no caso de necessitar de dar instruções, procure dar uma de cada vez; sempre que possível, utilize nomes orientadores (exemplo: “Sr. José vamos dar um passeio até ao café do Pereira?”); procurar cumprir com rotinas específicas, para promover maior orientação e menos confusão; dar tempo à pessoa idosa que ouça, compreenda e responda ao que lhe está a ser dito.

Se a pessoa com demência não comunica verbalmente, o que pode ser feito?
Sabia que a maior parte da nossa comunicação não acontece verbalmente?
É verdade! Segundo os estudos, cerca de 55% da comunicação que temos é feita de forma não-verbal, o que corresponde à nossa linguagem corporal (as expressões faciais, a postura e os gestos) e apenas 7% corresponde concretamente às palavras que utilizamos. Por isso, mesmo que uma pessoa com demência já não tenha a capacidade para uma comunicação verbal, é possível continuarmos a manter uma comunicação.
Algumas estratégias que podem ser usadas: estimular a componente sensorial (cheiros, massagens, imagens, fotografias, texturas e palavras); dar primazia ao toque, ao olhar e às expressões faciais.

O que deve ser evitado, quando se comunica com pessoas idosas com demência?
Devemos evitar discutir e/ou contrariar a pessoa idosa; tratar a pessoa por “tu”, a menos que a proximidade assim o permita ou que a pessoa expresse preferência por essa forma de tratamento; evitar o paternalismo e a infantilização (quer comunicação, quer no tratamento quer na intervenção); evitar a utilização de diminutivos (prefira “Sr. José vou ajudá-lo a calçar os sapatos” ao invés de “Sr. José calce os sapatinhos”) e comunicar com voz de “bebé”; falar com um tom de voz desinteressado ou mais ríspido; evitar questões que apelem à memória (exemplo: prefira “Sr. José, hoje tem uma consulta” ao invés “Hoje tem uma consulta, não se lembra?”); evite falar da pessoa idosa na sua presença como se ela não estivesse presente ou não percebesse que se refere a ela; evite dar respostas pela pessoa idosa, por não ter muito tempo para comunicar com ela; evite demonstrar as falhas e os erros (exemplo: prefira “Sr. José, pense novamente.” ao invés “Sr. José, isso está errado.”).

Relembro que cada caso é um caso e por isso não existem regras ou receitas milagrosas. Se tiver dúvidas ou questões, entre em contacto pois estou disponível para ajudar.

Espero que tenha sido útil.
No próximo mês, falo-vos de outro tema. Porque mais informação é mais saúde.