A Câmara organiza, na próxima quinta e sexta-feira, um congresso dedicado à habitação pública, para o qual convidou vários especialistas nacionais e internacionais, mas deixou de fora representantes dos movimentos sociais.
“Estão convidados especialistas, nacionais e internacionais, ligados à questão da habitação pública” e que “efetivamente contribuem para a solução do problema” da habitação, justifica Isaltino Morais, questionado pela Lusa.
Em declarações telefónicas, o autarca acrescenta: “Não precisamos de pôr os movimentos sociais a participar no Congresso, por uma razão muito simples, a generalidade desses movimentos sociais estão muito controlados pela extrema-esquerda e […] sabemos muito bem o que pretendem”.
Apesar de admitir que “muitos desses movimentos sociais têm uma dimensão justa” – defendendo, “e muito bem”, que “quem vive numa barraca ou numa tenda tem que ser realojado, tem que ter uma casa” –, Isaltino Morais assinala que, por outro lado, “não faz sentido ouvi-los quando defendem” soluções como a reabilitação do edificado degradado e a ocupação das casas devolutas, propostas que considera resultarem de “preconceitos ideológicos”.
A este propósito, a Lusa contactou o Vida Justa, um dos movimentos que tem juntado milhares de pessoas nas ruas pedindo mais e melhor habitação.
Em resposta escrita enviada por Rita Silva, o movimento qualifica o “apelidado congresso” de Oeiras, como “uma operação de propaganda de câmaras e de um governo de direita, que têm muitas responsabilidades na deterioração do acesso à habitação”.
O Vida Justa critica o executivo de Isaltino Morais (independente) por escolher “falar de habitação pública e dos bairros sem qualquer participação das pessoas que aí habitam, das suas associações ou dos movimentos que lutam pelo direito à habitação digna”.
Por isso, o movimento antecipa que o congresso será “uma perda de tempo, que terá falta de conteúdo sobre a realidade concreta dos bairros, as suas necessidades e aspirações”.
Presença garantida de 31 especialistas
O I Congresso de Habitação Pública vai juntar 31 especialistas, em arquitetura e urbanismo, engenharia e construção, demografia, energia, geotecnia, imobiliário, serviço e ação social, psicologia e sociologia.
A secretária de Estado da Habitação, Patrícia Gonçalves Costa, será oradora na sessão com o tema “Projetar habitação pública: uma arte (im)prescindível?” (sexta-feira, pelas 11h15) e o seu gabinete terá outros quatro oradores no congresso.
As câmaras de Cascais e Lisboa também se farão representar, respetivamente pelo vice-presidente, Nuno Piteira Lopes, e pela vereadora da Habitação, Filipa Roseta.
A autarquia de Oeiras pretende, com o congresso, fazer o “diagnóstico da situação” e demonstrar que “as medidas que foram tomadas até hoje não resolveram o problema”, na convicção de que a carência de habitação não pode ser resolvida pelo setor privado.
“São precisas mais casas” e “tem de ser o Estado a substituir-se aos privados porque os privados não têm de fazer ação social”, defende Isaltino Morais.
«Habitação pública foi descurada»
A habitação pública “foi absolutamente descurada” nos últimos 20 anos, assinala ainda Isaltino Morais, lembrando que, “depois do PER [Programa Especial de Realojamento], nos anos [19]90, que visou a erradicação das barracas, a partir de 2004, 2005, não se fez mais habitação pública em Portugal”.
“Pelo contrário, aquilo que se fez ao longo das últimas duas décadas foi não só desincentivar a construção de habitação pública, como as medidas legislativas que foram tomadas foram sempre no sentido da especulação imobiliária”, aponta, culpando em particular a lei dos solos aprovada em 2014, que desencadeou “uma valorização exponencial dos solos urbanos”.
Isaltino Morais responsabiliza sobretudo o Estado central pelo insuficiente parque habitacional público (2%, contra 10% em Espanha e 65% na Áustria – no congresso estará uma especialista de Viena para falar sobre este modelo), ainda que admita “que uma parte significativa das autarquias” também tenha descurado o problema.
A indisponibilidade dos terrenos, a burocracia dos licenciamentos e os efeitos do alojamento local e dos vistos ‘gold’ são outros dos fatores apontados pelo autarca para justificar a atual crise, ainda que Isaltino Morais considere que, “neste momento, há realmente um programa ambicioso de construção de habitação pública”.
Oeiras tem atualmente 1.500 casas em construção e espera “lançar mais duas, três mil nos próximos anos”, o que só é possível porque “entretanto foi alterada a lei dos solos”, nota.
O I Congresso de Habitação Pública (https://cih.oeiras.pt), vai arrancar na quinta-feira, às 09h30, no Taguspark, e terminará na sexta-feira, às 16h00.