Sem telemóveis à vista, o barulho das crianças a brincar regressou, esta semana, ao recreio da Escola Básica Vieira da Silva, em Carnaxide, onde o início das aulas acontece sem ‘smartphones’. É a principal novidade do novo ano letivo: os telemóveis podem entrar, mas ficam guardados na mochila e não podem ser utilizados.
“Não haverá fiscalização (à entrada) nem haverá a retirada de telemóveis”, começou por explicar à Lusa o diretor do agrupamento, António Seixas, sublinhando, no entanto, que o olhar das auxiliares vai estar mais atento para garantir que os alunos cumprem.
No ano passado, o Governo já tinha recomendado a proibição de ‘smartphones’ até ao 6.º ano, mas a recomendação passou a regra e na Escola Básica (EB) Vieira da Silva, com turmas de 1.º e 2.º ciclo, os alunos começam agora a habituar-se à nova realidade.
António Seixas diz que o uso de telemóvel não tem sido um problema, motivo pelo qual decidiu não proibir a utilização no ano letivo passado, mas Maria Helena Félix, auxiliar naquela escola há mais de 20 anos, relata um cenário um pouco diferente.
“Não brincavam, passavam [o tempo] nos corredores e nos recreios sempre a olhar para o telemóvel e nem nos ouviam, porque estavam mesmo fixados no que estavam a ver”, conta, considerando que, pelo menos para já, as diferenças são notórias.
“Notam-se os gritos das crianças, estão mais ativas”, disse, com um sorriso.
No segundo dia de aulas, depois do regresso oficial na sexta-feira, o barulho das crianças a brincar enche o pátio da escola, sobretudo durante os intervalos, mas também durante o período de aulas, enquanto algumas turmas têm tempos livres.
Liana e Sofia tiveram um “furo” durante a manhã. A iniciar agora o 5.º ano, as duas alunas acreditam que vai ser fácil habituarem-se às novas regras, mas admitem que teriam utilizado o telemóvel durante aquelas duas horas se pudessem.
“Tinha gerido as horas, um pouco no telefone e um pouco a brincar”, refere Liana, lamentando também não ter mais jogos no recreio. “Tivemos um furo de muitas horas e agora não temos nada para fazer”, disse.
A melhoria dos equipamentos na escola é também uma aposta que o diretor pretende fazer, com mais jogos tradicionais e até a instalação de mesas de matraquilhos para que os alunos tenham mais opções para se manterem entretidos.
Quando soube que já não podia utilizar o ‘smartphone’ na escola, Sofia confessou que ficou triste, mas quando olha para trás e recorda os últimos anos na escola, conclui que a diferença, provavelmente, será pouca, porque os intervalos já eram dominados pela brincadeira.
Uma das principais mudanças é que agora, se quiser falar com os pais, tem de pedir à escola para ligar, da mesma forma que qualquer chamada para os alunos passa pela receção, onde o telefone não parou durante a manhã.
“Sempre estivemos disponíveis para ligar, mas havia situações que não passavam por nós. Os pais estavam muito habituados a ligar e falar com eles e como fizeram essa chamada de manhã e eles não atenderam, ligam para nós”, relata Maria Helena Félix, considerando que também será uma adaptação para os encarregados de educação.
A esse propósito, o diretor do Agrupamento de Escolas de Carnaxide acrescenta que a resposta ao problema da dependência dos ‘smartphones’ não é apenas uma responsabilidade da escola, mas de toda a comunidade e, em particular, das famílias.
Como para todas as regras, existem exceções: os telemóveis podem ser usados durante as aulas, em atividades pedagógicas ou de avaliação, por alunos com domínio muito reduzido da língua portuguesa para efeitos de tradução, ou por alunos que precisam ter acesso a aparelhos eletrónicos com acesso à internet por razões de saúde.
Maria Leonor é um desses casos e devido à diabetes tipo 1, o ‘smartphone’ é um aliado essencial para ajudar a controlar os níveis de glicose.
“Ela tem um sensor aplicado no braço que está direcionado à bomba e a bomba está emparelhada com o telefone dela, que partilha comigo e com o pai. Através disso, conseguimos ver tudo”, explicou à Lusa a mãe, Tatiana Pola, que tinha ido à escola trocar as pilhas da bomba.
“Lá está, como tem o telemóvel com ela e está ligado à bomba, avisa-nos imediatamente”, refere, acrescentando que também é importante que a filha esteja contactável para que a possam ajudar no controlo da ingestão de hidratos de carbono.
Ainda assim, Maria Leonor diz que não se sente tentada a usar o telemóvel durante os intervalos, que aproveitar sobretudo para ler. “Se não, também perco muita bateria”, sublinha.